terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A TROCA, Clint Eastwood, 2008

"Se você ri muito, dá a ilusão de que é histérica, se não ri, você é depressiva, se for neutra as emoções se vão." (Carol Dexter, personagem de A TROCA)

A Troca é um desses filmes raros no atual cinema norte-americano. Longe das narrativas regadas a sangue, tiros e movimentos explosivos, A TROCA aparece em meio a calmaria, mas "calm like a bomb", como dizia o grupo RATM. No cenário urbano de Los Angeles, de 1928, uma história real aconteceu: uma mãe (Christine Collins/Angelina Jolie), teve seu filho seqüestrado por um homem que tinha como diversão assassinar crianças a machadadas.

A partir do seqüestro, ela parte em busca do filho, tendo que enfrentar a corrupta polícia local. O contexto histórico em que se passa o filme é o ano que antecede o colapso econômico dos Estados Unidos, chamado de Grande Depressão (1929). A vida de Collins gira em torno do trabalho que a sustenta (ela é mãe solteira) e da busca pelo filho. Certo dia, ela recebe a informação de que seu filho estaria vivo e vai encontrar-se com ele na estação de trem, na presença da polícia e da mídia. Isso ocorre seis meses depois. A polícia apresenta um menino, mas que logo é indentificado pela mãe como não sendo seu filho, mas, diante da pressão policial e do impasse, a mulher resolve levá-lo para casa. Depois de verificar detalhes comportamentais e físicos da criança e ter escutado o dentista e a professora do filho, a personagem tenta argumentar com a polícia sustentando que não é seu filho. A insistência, além da denúncia feita aos jornais, leva a polícia a interná-la no hospício e é nesse momento que o filme produz as suas cenas mais violentas contra a mulher.

Ao conversar com uma prostituta também internada, ela toma consciência de que uma mulher sozinha não tem voz. Todos ali eram mulheres que, de alguma forma, desafiaram a polícia. Uma era espancada por um deles, a outra denunciou para os jornais a violência de um policial sofrida por seu irmão e a prostituta também denunciou um assédio de um policial, todas que desafiaram a lei e o Estado foram internadas.

O filme mostra como o sistema produz mulheres loucas, desacreditadas, humilhadas em sua dignidade. O final, bem ao gosto norte-americano, é resolvido com a justiça e só foi possível porque uma criança, que auxiliava nas mortes das crianças a machadadas, confessou o crime a um policial que, também desacreditado da corporação, resolveu elucidar o caso. O julgamento do assassino das crianças contribuiu para resolver o problema do filho impostor e, ao mesmo tempo, mostrar a corrupção da polícia e o desrespeito humano.

Todos sabem que as mulheres são frágeis, todas essas emoções irracionais (...) Se alguém nos diz algo inconveniente ficamos como porras loucas. Pela minha amizade, se ficarmos loucas, ninguém nos escutará. Em quem você acreditaria, numa louca que quer destruir a integridade da polícia ou num oficial de polícia? ” (Carol Dexter)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O estranho caso...

Apesar do blogue tratar sobre a mulher, não poderei deixar de comenta aqui o filme O Estranho Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008), de David Fincher.

Trata-se da história de Benjamin Button, narrada em primeira pessoa, que chega ao espectador pela voz da filha, Caroline (Julia Ormond), quando no hospital, ao acompanhar sua mãe (Kate Blanchet), começou a ler os escritos de seu pai, sob a iminência da chegada de um furacão.

A história parece simples: um homem que nasce velho e morre quando bebê. Contudo, a questão é bem mais complexa, pois ele é único. Trata-se, portanto, da construção da identidade de um indivíduo que, ao nascer biologicamente velho (mas uma criança por dentro) se relaciona em um ambiente formado por adultos e velhos. Quando vai alcançando a maturidade (50 anos), resolve sair de casa em busca da independência, conseguindo emprego em uma embarcação. A partir daí, passa a cumprir os rituais considerados masculinos, em companhia de homens simples e rudes, que envolve bebida e sexo, mas, também, as frustrações vividas por eles, por exemplo, ao saber que o Capitão queria ser artista, mas que foi desmotivado. Contudo a sua vontade latente fez com que transformasse seu corpo em tela, tatuando-o. É um misto de frustração, mas de esforço em superá-la, subvertendo as limitações impostas pela sociedade.

A morte (física e simbólica) é um tema sobre o qual o filme trata, já que presente em toda a narrativa. Só que a morte não está vinculada a um envelhecimento, no sentido que a gente tem de velhice, isto é, associado a uma degenerescência física, mas ao contrário, ao "nascimento", na regeneração, criando no espectador uma desacomodação. Pitt está hoje com 40 anos, mais próximo portanto do momento em que as personagens (Daisy e Benjamin) chegam no meio da vida e se conectam, por estarem na mesma idade, só que a partir daí ele decresce e remoça e ela decresce e envelhece. Tanto a velhice quanto a infância são mostradas como uma "morte" mas de ângulos diferente.

Que efeito tem a morte na direção contrária? Que sentido tem a velhie para nós e como o espectador reage diante da mudança de direção? A morte, independente da direção, acontece de qualquer jeito e com as mesmas características. A degenerescência e a regenerescência (não vi outro termo) produzem dependência, problemas de memória, só que a perspectiva muda. É um filme muito bom para desacomodar, descristalizar, desestruturar com visões congeladas, que são socialmente construídas e muitas vezes não percebemos por já estarem sedimentadas. Acontece que o sentido dado a velhice/morte é a que nós conhecemos. Se tivéssemos a experiência de Benjamin, a partir do sentido de morte que engendramos, muito provavelmente a infância seria vista como os piores momentos da nossa vida e passaríamos a vê-la com desprezo, valorizando a velhice.

Estava lendo uma resenha do filme da Folha online onde aparece o trailler. A narração - do próprio Benjamin - menciona não apenas a "disfunção" - viver ao contrário dos outros - mas a solidão de carregar esse "des-ajuste". O fato da pessoa estar deslocada do seu entorno, a transforma em um ser solitário. Se formos para a literatura, vemos que Scott F. Fitzgerald fazia parte da Geração Perdida ("lost generation") o que já nos informa algo: "refere-se a um grupo de celebridades literárias estadunidenses que viveram Paris e em outras partes da Europa no período de tempo em que se viu o fim da Primeira Geurra Mundial, no começo da Grande Depressão."

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Lost_Generation)

Os temas desse grupo de escritores giravam em torno de um desilusão de uma ordem burguesa pós-guerra: o abandono, a angústia, a desesperanaça, entre outros. O fato do filme iniciar com o produto desse ambiente - um relógio que girava ao contrário - já explicita o impacto de uma guerra nas vidas humanas. O relógio foi montado com a dor de um pai que viu seu filho morrer na guerra. O relógio que girava ao contrário era para trazer de volta os filhos mortos pela guerra. O pai morre de desgosto. Benjamin que nasce no final da guerra de 14, vive um outro momento de guerra, a de 45 e nessa ele participa. É uma vida que se tranforma dentro de um contexto de morte.

Ao construir uma personagem que logo é abandonada pelo pai por nascer diferente, nos remete a várias outras questões: a maldade humana, a rejeição, de um lado, e a generosidade e acolhimento, do outro.

Há também outros pontos interessantes que podemos levantar, como a relação familiar (distante do vínculo biológico) como algo construído na relação, a partir da afetividade. Esse ambiente familiar é amplo, pois ele mora com os pais adotivos - casal de negros - que ao mesmo tempo é um asilo. Uma outra questão é do ponto de vista das identidades, já que não se trata apenas de uma vida que corre ao contrário, pois se entendemos que a identidade se constrói a partir do olhar do outro sobre nós também, o que significa para o outro (os velhos do asilo, por exemplo) ser criança (se é que eles viam assim, acho que eles o viam como velho) com uma aparência senil, com todos os problemas de saúde do velho? Como o personagem irá construir a sua identidade sabendo-se que o outro o vê como velho, mas que ele sabe que não é (se é que ele sabe, pois acho que ele não tem essa dimensão de imediato, ele vai se conhecendo à medida que o tempo vai passando). Por outro lado, independente de jovem ou velho ninguém sabe por antecipação o que é ser um ou outro, ambos vão construindo à medida que vão vivendo. Achei interessante aquela parte do filme sobre como aconteceu o acidente com Daisy. Como uma ação em algum lugar, aparentemente sem nenhuma conexão com outras vidas, acabam tendo uma relação, muito embora as pessoas envolvidas jamais saibam. Acho que fica aqui uma reflexão sobre a responsabilidade dos nossos atos.


A vida de Benjamin vai sendo costurada pelos atos das pessoas que fazem parte da vida dele: de um lado pessoas que o abandonaram, rejeitaram; de outro lado, pessoas que amaram e acolheram.

"Amadurecer é coisa terrivelmente difícil. Fica muitomais fácil passar de uma infância à outra." (Scott F. Fitzgerald)

domingo, 4 de janeiro de 2009

A Governanta (The Governess, 1988), de Sandra Goldbacher


O filme "A governanta" foi o primeiro longa dirigido por Sandra Goldbacher que também assina o roteiro. A ficha técnica é formada predominantemente por mulheres: direção e roteiro (Sandra Goldbacher), produção (Sarah Curtis), edição (Isabelle Laurente), design de produção (Sarah Greewood) e figurino (Caroline Harris). O filme é ambientado na Inglaterra do século XIX (1840) e narra a história de uma governanta judia que, disfarçadamente, trabalha na casa de uma família aristocrática na qual vive um pesquisador em fotografia, seu patrão, um homem de aproximadamente 60 anos. A sua personalidade determinada, o interesse pela ciência e pelo conhecimento, a torna assistente de laboratório. Assim como o filme Camille Claudel, de 1988, a paixão pela fotografia a faz apaixonar-se pelo pesquisador. Nesse ínterim, durante o ritual do Pessach (Páscoa), em seu quarto, acidentalmente, ela descobre que a salmora de ovo ajuda a fixar a imagem:
"Ao rezar sozinha o Pessach (Páscoa) a moça causa um pequeno acidente com a salmora do ovo (e quem é judeu entende a importância da salmora e o monte de significados que tem aquela oração). A salmora respinga numa foto e ela descobre que é a salmora que ajuda a fixar a imagem no papel, justamente a grande pesquisa científica que seu patrão passa horas estudando no laboratório." (Sheila Meyer)
No entanto, essa descoberta é patenteada pelo pesquisador que, com um falso "nós descobrimos", se apropria da idéia. A crise do casal inicia quando ela o fotografa nu, dormindo. Os motivos podem ser aparentes, como uma questão moral vitoriana, mas também podem ter dimensões maiores, pois o talento da personagem extrapola, sem excluir, o cientificismo e os motivos financeiros. A fotografia torna-se arte nas mãos da assistente que, ciente de suas habilidades, demite-se do emprego de governanta e abre em Londres (o filme se passa na Escócia) um estúdio que a torna bastante conhecida e bem-sucedida, abraçando a fotografia como arte e profissão.


FATAL (Elegy, 2008), de Isabel Coitex


Fatal (2008) é um filme estadunidense da cineasta Isabel Coixet, baseado no romance de Philippe Roth e estrelado por Ben Kingsley (prof. David Kapesh) e Penélope Cruz (Consuela). A tradução do inglês "Elegy" (Elegia) para o português "Fatal" provocou algumas confusões por parte da crítica que parece não ter percebido a tradução como uma estratégia de marketing.

Elegia é um gênero de poema lírico que traz um sentido de morte, mas que também possui um sentido erótico entoado por poetas como Goethe e Rilke. É um termo pouco usual na linguagem cotidiana, o que talvez tenha influenciado a tradução em optar pela palavra Fatal, mais comum e que também guarda um sentido de morte e erotismo.
A palavra já serviu a outros títulos de filmes, como "Atração Fatal" (1987), de Adrian Lyne, e romances, a exemplo de "A Mulher Fatal" (1870), de Camilo Castelo Branco, portanto, fazemos parte de um legado cultural formado por um imaginário com base em relações desenfreadas e sexualmente obsessivas que culminam em morte. Portanto, seria esperado associar a fatalidade do filme ao poder erótico de Consuela, atribuído por Kapesh, por sua beleza.
De fato, se nos limitarmos a ver o filme nessa perspectiva, o resumiríamos na folhetinesca história de um homem idoso, de 60 anos, professor universitário, que se apaixona por sua aluna trinta anos mais jovem que ele. Esse eixo foi o mais evidenciado pela crítica, inclusive por meio de sites que publicaram, de forma sensacionalista, a nudez de Penélope Cruz.
Contudo, uma outra leitura me parece mais desafiadora e provocante, inclusive "fatal", pois quando associamos os elementos do filme à palavra elegia, do título original "Elegy", verificamos que o significado de fatal desliza para um outro sentido em relação à personagem feminina, já que ela descobre estar com câncer. O jogo de alternância de sentidos rompe com a cristalização do signo marcado e engessado nas práticas discursivas cotidianas. Os sentidos da palavra fatal, no filme, aparecem num jogo de luz e sombras onde o sentido erótico e de morte se alternam, tocando-se por vezes. Um evento de dor e pesar se tranforma em aprendizado, mudando as vidas das personagens, sobretudo do prof. Kapesh, que tem dificuldades para lidar com os vínculos afetivos.
Por outro lado, retomando as últimas palavras do parágrafo anterior, podemos fazer ainda uma outra leitura, ao associarmos a palavra elegia ao personagem masculino, que é o principal, pois a ação do filme se desenvolve a partir dele em diferentes núcleos: ele e a aluna-amante, ele e a amante mais velha, ele e o amigo poeta, ele e o filho e ele sozinho quando, submerso em seus pensamentos e questionamentos, nos faz conhecer, nós espectadores, a sua dificuldade em lidar com os vínculos, tanto com as amantes quanto com o filho. A fatalidade, nesse sentido, joga com sua dupla face: vida e morte.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Camille Claudel, 1988 (França), de Bruno Nuytten


Assisti há pouco tempo o filme Camille Claudel, do cineasta francês Bruno Nuytten, e é sempre um prazer rever a história de uma mulher que viveu cada momento de sua vida de forma intensa, incompreendida, considerada pelo discurso hegemônico como inadequada, mesmo para a recém revolucionária França do século XIX. O filme biográfico trata do percurso de vida de uma jovem escultora francesa que se viu diante de suas paixões: a escultura e Rodin, com quem estudou e viveu uma paixão avassaladora. Diante da impossibilidade de viver na condição de amante, já que Rodin era casado, e de ter esperança que Rodin rompesse com a esposa, Claudel mergulha vertiginosamente sobre o seu trabalho, perseguida pelo fantasma de Rodin que passa a ser aquele que a explorou . Por conta disso, decide viver trancafiada e isolada para, em seguida, ser internada pelos familiares em um manicômio.

A escultura para Camille Claudel representava a expressão da sua existência, as suas emoções, as suas experiências amorosas talhadas com paixão, dor e morte. Nesse filme, as cenas exigem do espectador a leveza e a contemplação de quem está observando uma obra de arte. As cenas possuem passagens suaves, com poucas mudanças de ambiente, oscilando entre alguns interiores das residências, em geral de Camille, e nunca o de Rodin, poucas ruas e o atelier. Em termos de linguagem artística, o filme explora a jogo de iluminação, sonorização, além de mostrar um diálogo com outras artes como a fotografia, literatura. música e pintura. Além disso, apresenta as artes fortemente ligadas e dependentes da mídia, o jornal, de quem os artistas esperam alguma benevolência e promoção por parte da crítica.

O filme Camille Claudel é uma produção cuidadosa. Uma excelente reconstituição histórica, com cenas de expressão realista, bem ao gosto do filme francês. O filme segue a tradição da escola européia que explora bem as interpretações dos atores, com gestos e movimentos meticulosos, como se esculpidos, associando o enredo fílmico a um contexto que naquele momento refletia uma França após a revolução burguesa que dava esperanças para uns - nesse caso, os homens que mantinham relações com a burguesia - mas que era hostil às mulheres, sobretudo aquelas que não se "enquadravam" nos horizontes de expectativa da classe hegemônica. Não é à toa que no filme as mulheres são representadas ora como esposas silenciosas e assexuadas - que buscam desesperadamente afastar as amantes de seus maridos - ora como amantes, a quem os momentos de prazer são compartilhados de forma intensa, mas instáveis.
Vendo-se explorada pelo amante e empresário, Claudel acaba justificando a sua clausura, se afastando de todos. O seu medo traduz a dificuldade da mulher naquela época em exercer uma profissão, sem a intermediação de alguém que a "apresentasse", que a legitimasse. O fato de depender profisionalmente do homem - ter a sua obra assinada por Rodin - contribuiu para acentuar a dependência amorosa, numa relação de dupla subordinação psicológica.

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...