sábado, 30 de janeiro de 2010

Uma Mãe em Apuros (Motherhood, 2009)

O filme é dirigido e escrito por Katherine Dieckmann, tendo Uma Thurma (Eliza Welsh) no papel principal. A narrativa conta a estória de Eliza Welsh, uma esposa insatisfeita e mãe esforçada. Para ela, a família está em primeiro lugar... ou quase. Eliza além de cuidar das tarefas da casa mantém, com muita dificuldade, um blog onde registra suas impressões dos acontecimentos. É uma forma de estar em contato com o mundo e com a escrita, pois a sua profissão é escritora. Contudo, as suas exaustivas tarefas cotidianas, cuidando da casa, dos filhos e do marido a exaurem, levando-a a um extremo estresse e provocando situações bizarras como a de sair de casa com o marido e filhos de camisola, sendo alertada pela vizinha (ver cartaz ao lado). Uma outra cena bastante emblemática mostra a personagem extravasando, permitindo-se liberar o seu gênio rebelde quando dança rock com o mensageiro em sua casa, um jovem indiano de aproximadamente 20 anos. Outra cena é quando a rua onde mora passa a ser cenário de um filme, o que a proibe de estacionar o carro em frente a sua casa. A luta pela vaga é uma das cenas mais interessantes do filme porque mostra o caos dos centros urbanos em relação a via pública e o desespero da mãe em chegar em casa para preparar o aniversário da filha. Um elemento metalinguístico aparece nesse trecho por encenar as filmagens de um filme dentro do filme. Esse recurso ajuda a criar um efeito de verdade, pois se há um filme sendo rodado no filme o que está fora da filmagem é "realidade", é o que acontece no mundo real quando nos deparamos com um trecho da rua interditado para as filmagens. A perspectiva aponta para o que está dentro das filmagens ser considerado ficção e o que está fora ser realidade.

A personagem está de fato em apuros porque a sua vida está sem sentido, falta-lhe uma realização pessoal, que nem a maternidade, nem a condição de esposa lhe garante. Ao aparecer comumente descabelada, suada, estafada, a idéia que passa para o espectador é a de que a personagem está no seu limite, não consegue se olhar, se ver e se melhorar. A vida que leva não a motiva a nada, a sequer vestir-se. Por sugestão de uma amiga, compra um vestido, mas sem saber ao certo onde e usá-lo e para qual propósito.

O blog é seu escape. Na festa de aniversário da filha, ela sai de casa, fica sentada na escada do corredor do prédio, tentando postar. O marido fica dentro de casa, mas visivelmente insatisfeito, mostrando-se solidário enquanto ela faz o seu texto para postagem. Ao sair por alguns segundos, o esforço que faz é visível, informando a ela que está tudo sob controle. Nem tanto. A sua filha escapa da festa e vai ter com a mãe que interrompe o que está fazendo para acompanhá-la na festa.

Apesar do filme terminar com um happy end, a primeira impressão da atriz desanimada e confinada àquela existência descrita de forma tão pequena é chocante. A imagem enlouquecida da protagonista faz qualquer mulher repensar a maternidade.

Ficha técnica:

Diretora: Katherine Dieckman
Roteiro:  Katherine Dieckman
Produção: Rachel Cohen, Jana Edelbaum, Pamela Koffler, Christine Vachon, John Wells
Gênero: Comédia
Ano: 2009
Elenco: Uma Thurman, Anthony Edwards, Minnie Driver, Javier Picayo, Vincent James Russo, Jenny Kirlin, Maya Ri Sanchez

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A Vida Íntima de Pipa Lee, (Private Lives of Pippa Lee, 2009)

Ficha Técnica:

Direção:  Rebecca Miller
Roteiro: Rebecca Miller (baseado no livro de sua autoria)
Produção: Lemore Syvan e Brad Pitt
Edição: Sabine Hoffmann

Elenco (principais):

Alan Arkin - Herb Lee
Cornelius West - Don Sexton
Maria Bello - Suky Sarkissian
Mike Binder - Sam Shapiro
Robin Wright Penn - Pippa Lee
Ryan McDonald - Ben Lee
Winona Ryder - Sandra Dulles

Chamou-me a atenção neste filme a presença de três gerações de mulheres cujas vidas se entrecruzam, com uma narrativa repleta de idas e vindas,  o presente tocando o passado. Pipa Lee com a sua filha, ao mesmo tempo em que ela se vê na adolescência com sérios problemas com a sua mãe que precisava drogar-se para suportar a vida limitada à casa e as atribuições domésticas. Em uma das cenas, Pipa Lee percebe que a sua mãe havia tomado comprimidos, quando a vê limpando a casa compulsivamente. A partir daí,  Pipa vê que o humor de sua mãe varia de acordo com a ingestão ou não do remédio. Quando não toma fica extremamente depressiva. Tal oscilação, faz com que Pipa saia de casa. Ela é acolhida por sua tia que é lésbica e vive com uma mulher. A vida de Pipa começa a se transformar quando participa de um ensaio de fotos na casa da tia a convite de sua companheira que aproveitava a sua ausência para iniciar as atividades. Em um desses ensaios fotográficos, a tia retorna mais cedo e flagra a sua casa cheia de mulheres vestidas com trajes eróticos. A tia expulsa Pipa de casa e ela passa a viver com outros jovens, curtindo festas, drogas e bebidas. Em uma dessas festas, conhece o marido, um homem bem mais velho, casado, mas infeliz com a esposa. Esta se suicida ao saber do caso do marido que desimpedido casa-se com Pipa.

Pipa quando se casa, muda completamente de comportamento: é introspectiva, contida, diferente da Pipa adolescente e jovem. Assume a casa, tal qual a sua mãe, e passa a viver em função do marido e dos filhos. A sua filha praticamente não a enxerga, apenas vê o pai. Há uma cena em que a jovem chega em um restaurate com os pais já presentes e apenas cumprimenta afetuosamente o pai. A voz da mãe é completamente desconsiderada pela filha. No entanto, após a morte do marido, período em que Pipa também descobre que ele tem uma amante (Winona Ryder), a Pipa transgressora emerge como Fênix, e resolve viver uma outra relação com outro homem (Kenu Reeves), seu vizinho, que também havia se separado da mulher. O comportamento da filha muda depois da morte do pai, momento em que mãe e filha se encontram e se abraçam afetuosamente. A partir daí, a filha passa a apoiar a mãe, sobretudo quando esta decide viajar com o vizinho, diferente do filho que a condena.

A relação entre Pipa e sua mãe e de Pipa com sua filha é, sem dúvida, o ponto alto do filme.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Catherine Hardwicke

Segundo a Folha Online, em 08/12/2008, "no fim de semana de estréia nos EUA, a produção [do filme Crepúsculo] rendeu US$ 69,6 milhões (R$ 172 milhões) nas salas de cinema. Foi a maior bilheteria de estréia para uma diretora nos EUA (grifos meus). O investimento em torno da publicidade do filme foi muito grande, mas não podemos deixar de registrar que a adaptação foi fidedigna ao romance homônimo de Stephanie Meyers (Twilight) e que o filme conseguiu alcançar o seu propósito usando os recursos que o cinema disponibiliza. Destacar a atuação de cineastas mulheres a meu ver é extremamente importante, considerando que o espaço da direção vem se organizando através de um "male gaze", e que muitas vezes as mulheres se apropriam de um código já estabelecido para entrar na disputada carreira cinematográfica.

No entanto, acredito que chegar a esta competitiva indústria cinematográfica hollywoodiana não deva ser uma tarefa fácil, por isso penso que vale a pena acompanhar os trabalhos das diretoras, pois é um território ainda pouco ocupado por mulheres. Às vezes pode soar exagerado, mas conhecendo a história do cinema (o que venho fazendo aos poucos) fica visível que a profissão de cineasta, assim como outras profissões, tiveram início com os homens, já que os espaços público e privado foram sexualmente divididos desde a ascensão da burguesia, excluindo as mulheres de atividades que não fossem voltadas para o âmbito doméstico.

Estou falando de uma classe média, a mesma que, ao assistir o filme Crepúsculo, correu para as livrarias para adquirir um exemplar, alguns compraram o box com os quatro livros. A classe popular tem mais dificuldade, mas pode ler rapidinho nas livrarias. Vi uma menina vestida com farda escolar que lia concentradamente um exemplar do romance A Hospedeira, de Stephanie Meyer, a mesma autora de Crepúsculo. Este livro já custou R$40,00, mas hoje na promoção sai por R$36,00. Para uma grande parte da população, é um produto caro. Restam o cinema ou o DVD.

Para aqueles e aquelas que questionam o problema de adaptação do romance para o filme, sentindo falta de algumas partes, lembro-lhes que a linguagem literária é diferente da linguagem cinematográfica e que transformar um texto literário em roteiro para em seguida dar movimento audiovisual não é uma atividade tão fácil, não pela parte técnica, mas porque a adaptação depende muito do olhar de quem lê e de quem interpreta e seleciona as partes do livro como sendo passagens importantes para serem filmadas. O leitor pode considerar uma outra passagem, mas a escolha é criteriosa, pois deve-se escolher, penso eu, trechos que crie uma "costura", encadeie a narrativa fílmica e faça sentido no filme, dentro da linguagem cinematográfica, sem distorcer o propósito do livro. Assim, podemos subjetivamente ter gostado mais de uma passagem do que de outra, mas o que importa mesmo é, enquanto cena, que impacto ou efeito terá no conjunto da narrativa fílmica.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Crepúsculo (Twilight, 2008)

Ficha Técnica (parte):

Diretora: Catherine Hardwicke
Roteirista: Melissa Rosenberg
Autora: de Stephanie Meyers
Produtoras Executivas: Karen Rosenfelt e Michele Imperato Stabile
Produtores: Mark Morgan, Greg Mooradian, Wyck Godfrey
Elenco (principais): Kristen Stewart (Isabella Swan), Robert Pattinson (Edward Cullen), (Charlie Swan), Peter Facinelli (Dr. Cullen), Elizabeth Raeser (Esme Cullen)

Demorei de postar uma reflexão sobre o filme Crepúsculo (Twilight) porque só agora assiti em DVD. Quando passou nos cinemas, não fui porque não me senti motivada, mas, diante de tanta publicidade e envolvimento de algumas jovens com as quais tenho contato, resolvi aventurar-me na narrativa vampiresca de Stephanie Meyers, autora da saga publicada em quatro livros (Twilight (Crepúsculo), New Moon (Lua Nova), Eclipse (Eclipse), Breaking Down (Amanhecer)). Destes, apenas os dois primeiros foram lançados em filme.

O filme tem tido bastante repercussão entre o público adolescente e jovem, mas que se estende para adultos que se identificam de alguma forma com aspectos narrativos do filme, com o tema, o comportamento das personagens, com a paisagem bucólica e chuvosa de Forks, enfim, alguma coisa que toque o espectador. E aqui reside a questão: o que de fato toca o espectador e quais as estratégias usadas para que isso aconteça? A presença dos protagonistas nas revistas para adolescentes (meio impresso), em programas de TV (audiovisual de massa), nos cartazes de divulgação (meio visual) e site oficial do filme na internet (audiovisual de amplo alcance) que, por sinal, comercializa produtos temáticos - bolsas, camisetas, acessórios, jóias -, mostram a tentativa dos produtores em transformar Crepúsculo em um filme que não apenas gere bilheteria, dê lucro por diferentes vias, mas que marque uma geração. Eis um projeto ambicioso. Além disso, retextualizar outras narrativas, atualizando-as, para serem apresentadas em um momento histórico marcado por crises em diferentes práticas sociais.

Os elementos intertextuais no filme saltam aos olhos, inevitável a comparação com os filmes Drácula e Romeu e Julieta. A estória de Isabella Swan e Edward Cullen é uma "costura" entre vários textos formulados em estória de amor no estilo mais romântico-burguês, com direito a uma boa dose de spleen.  Provavelmente, essa atmosfera gótica que envolve mistério, penumbra e forças sobrenaturais tenha provocado a liga necessária para envolver o público, sem se esquecer, claro, de todo suporte publicitário.

Crepúsculo é uma estória de amor do século XXI, assim como foram o filme Uma História de Amor, (Love Story, 1970), de Arthur Hiller, com Ali MacGraw e Ryan O’Neal nos papéis principais, e Amor sem Fim (Endless Love, 1981) dirigido por Franco Zeffirelli, com Brooke Shields e Martin Hewitt. Estes obtiveram sucesso também com a trilha sonora Where do I Begin, de Carl Sigman e Francis Lai, e Endless Love, de Lionel Richie, respectivamente. Uma época em que trilha sonora era tão importante comercialmente quanto o filme. Os ingredientes dessas estórias são as mesmas: a presença do herói e heroína românticos, a jura do amor eterno, a prova de amor, o amor impossível (ou quase) as idéias de fidelidade, felicidade e realização plena, o mito da alma gêmea, o sacrificio (morrer por amor), amor espiritual, e outros. Esses elementos vêm alimentando a imaginação de mulheres e homens há séculos. O cinema apenas trouxe para a sua própria linguagem.

Crepúsculo é produzido em 2008 em um momento considerado por muitas autoras feministas como backlash, isto é, de reação antifeminista, no que eu concordo, porém, receio os extremos e as possíveis e previsíveis distorções. ISegundo a crítica feminista contemporânea, pelo menos um grupo, isso significa dizer que as produções atuais estariam condicionadas ao contexto sociohistórico a partir do qual as mulheres seriam retratadas nos textos dependentes do homem, fazendo com que, muitas vezes, o personagem masculino cresça no filme mais do que o feminino, fazendo com que a vida da mulher gire em torno da do homem. 

O filme narra uma estória de amor aparentemente impossível - aliás elemento-chave neste tipo de narrativa, pois existindo o amor, ele precisa aparecer inicialmente difícil, com obstáculos a transpor e, acima de tudo, colocado à prova - entre um jovem vampiro e uma jovem humana. Até aqui nada demais porque as estórias de vampiro são pautadas na sedução, na atração que o vampiro exerce sobre as suas vítimas com o intuito de sugar-lhes o sangue, tirar-lhes a vida. Em Crepúsculo, Edward é um vampiro "vegetariano" (não precisa das pessoas para viver) que tem buscado manter o autocontrole, alimentando-se apenas de animais (aqui há uma separação entre seres humanos e animais), mas Isabella é a unica que o provoca, "é a sua droga". O esfoço de Edward consiste em não perder o controle com Bella e nesse contexto percebo uma associação entre sangue, vida e sexualidade, pois a aproximação física, sexual, entre os dois pode significar a morte da personagem. A partir disso, o amor torna-se espiritualizado, sublima-se o desejo sexual, dada a impossibilidade ou dificuldade inicial de uma aproximação física, outro elemento importante das estórias de amor. Essa impossibilidade torna o filme fortemente sensual, pois sugere muito mais do que realiza. Esse jogo aguça inevitavelmente o imaginário do espectador e da espectadora paralela a sensação de realidade promovida pela estória de amor, o que facilita o caminho para a projeção do desejo de viver na vida real o que se vê na tela. Lembrei-me de A Rosa Púrpura do Cairo, 1985, filme magistral de Woody Allen, em que a personagem vivida por Mia Farrow, que adora ver filmes,  vive no mundo real um mundo dos sonhos. Essa tênue linha entre sonho e realidade que o cinema hollywodiano construiu através da fabulação é tensionada quando o personagem do filme vivido por Jeff Daniels "sai" da tela e interage com a espectadora e ambos vivem uma história de amor na vida real. Em Crepúsculo, os ingrediente do filme contribuem enormemente para construir uma adesão entre espectador e a narrativa, acentuando a diluição da linha entre sonho e realidade ao investir na fantasia, no inalcançável, o que parece contraditório, mas que a meu ver, é justamente o que alimenta a imaginação e o desejo.

A questão em torno da sexualidade pode ser identificada no filme com as raras cenas em que os protagonistas se beijam, em outras palavras, é na ausência que se faz a presença. Para o código romântico-burguês, o amor transcende o corpo físico, a matéria, por isso fala-se que os amantes se apaixonam pela imagem que eles projetam de si para o outro. No filme, desejar sexualmente o corpo de Bella significa também o desejo de matá-la e, junto a ela (pois estão fundidos), matar o que sustenta o mito do amor: o próprio amor.

Isto posto, vejo que o filme, para além da estória de amor, traz questões muito interessantes como, por exemplo, a tensão entre vida e morte, como já mencionado, a idéia de mortalidade e a imortalidade, juventude e velhice, acrescidos de valores como confiança, solidariedade, amizade, respeito, responsabilidade, amor, medo, sentimentos que atravessam toda a narrativa.

É um filme que confronta sentimentos e nada mais próprio para o seu público que começa a ter uma experiência mais independente em relação à vida. Essa individuação marca a passagem (ou deveria marcar) da adolescência para a fase adulta da juventude.

De uma perspectiva de gênero, o filme opera com uma construção pautada no código ocidental e burguês. O homem protege e a mulher é protegida. Aliás, proteção é uma referência muito presente no filme seja através de um enunciado verbal ou não-verbal. Edward usa a palavra enfaticamente e tem atitudes que correspondem. Ele salva Bella em três situações: 1) quando um carro desgovernado de um colega da escola quase a mata e Edward com força e velocidade (constructo de gênero) intercepta a colisão; 2) quando ela é cercada por cinco homens em uma rua escura e deserta e Edward aparece, de repente, para impedir a ação e 3) quando Bella é perseguida por um vampiro"do mal" e Edward aparece para defendê-la. O maniqueísmo aparece claramente no filme - o bem versus o mal. O sentimento de Bella nestas situações são de medo, impotência, solidão, desespero, e ao ser resgatada com vida por Edward passa a vincular a idéia de segurança a uma necessidade masculina de ser protegida. A ideologia produz essa necessidade.

A ideologia trabalha de forma muito sutil através das materializações das práticas sociais performatizadas no filme: o mundo é perigoso para as mulheres e por isso elas precisam ser proregidas, por isso a sensação de conforto quando o herói aparece em uma situação limite e resgata a heroína. Essa sensação de alívio que a espectadora sente, a meu ver, é o que faz ser, em alguns momentos na vida real, desejado, mesmo sabendo que no dia-a-dia elas terão de se virar sozinhas. Fica a idéia de que o mundo é masculino e de que as mulheres para sobreviverem nele precisam deles.

Os Cullens são vampiros "do bem", vivem em família. O pai é um cirurgião bem quisto pela comunidade e que se esforça para manter a união familiar juntamente com sua esposa, uma afetuosa dona-de-casa. Os filhos são estudantes exemplares: obedientes, disciplinados. Uma família perfeita dentro do projeto burguês (ideal). Bella, por sua vez, é uma jovem introspectiva, filha de pais divorciados e mora com a mãe (real). Por conta de uma viagem da mãe com o atual marido, Bella terá de passar uns tempos com o pai, chefe de polícia da cidade de Forks. Bella é "protegida" duplamente pelo pai - como pai e chefe de polícia - além de Edward. Apesar de Bella parecer algumas vezes destemida e segura, essas qualidades são focadas na sua relação com Edward. A sua força está em superar os obstáculos para que o amor prevaleça. Enfim, é uma força canalizada para o objeto de amor, nesse caso Edward, o vampiro.

Uma das cenas mais fortes na minha concepção é quando Edward "se mostra" para Bella. Ele claramente diz o quanto ele é perigoso - "Se você fosse inteligente, não seria minha amiga". Diz ainda que é um assassino, um monstro, mas Bella parece não se importar. Atira-se aos braços do vampiro mesmo tendo confessado sobre os perigos de ficarem juntos. Aqui está uma outra questão ideológica que marca o filme, pois ao dizer a verdade sobre si, ao se expor, retoricamente Edward se coloca em uma posição vitimizada, pois em seu discurso ele é acometido pelo infortúnio de ser um morto-vivo, o que leva Bella a compadecer-se e aceitá-lo do jeito que ele é. E é exatamente assim que ela age, arriscando a sua vida. Isso, a meu ver, apesar de toda atmosfera fantasiosa do filme que, como já disse, é um recurso potente de adesão, pode causar um efeito complicador na vida das mulheres reais, pois diante das constantes violências que as mulheres sofrem de seus namorados e maridos, o discurso que é mostrado no filme é de que as mulheres sabem de antemão dos perigos de vida vindas de seus parceiros, mas que elas escolhem vivê-los. Nesta cena, perpassa ainda a idéia de que as mulheres tem o poder de transformar o homem em uma pessoa menos violenta, mais amorosa e menos sofrida. A protagonista acredita nas máscaras e acredita que Edward sustenta uma imagem de mal, quando na verdade ele é bom.

O que eu acho curioso é que as jovens suspiram muito mais pelas qualidades comportamentais do vampiro do que pela sua beleza, pois o que cativa, segundo elas, é a forma de ele tratar a protagonista.  Ele tem 109 anos ou seja é um homem velho, de hábitos "antigos" e que as pessoas associam equivocadamente ao romantismo. Ele é cortês, do tipo que abre a porta do carro, busca e deixa a namorada em casa, apresenta-se "oficialmente" ao pai, aparece seriamente vestido de terno gravata na formatura e aguarda a namorada aprontar-se enquanto fica na sala com o pai conversando, é educado, não altera a voz, enfim, é uma imagem que parece estar muito longe dos jovens reais não por conta do romantismo, mas porque se perdeu a noção de respeito ao outro, de amar no sentido mais amplo da palavra e o mais complicado vinculando tais gestos ao romantismo que para o senso comum remete a sentimento. Essa concepção torna mais ainda difícil para os rapazes que vê o sentimento como um elemento feminino, aprofundando dessa forma o abismo dos gêneros, tornando as emoções um terreno movediço e estranho para os homens por conta e um constructo sociocultural que separa de forma  perversa e destruidora sentimentos humanos em sentimentos excludentes ao sexo: a emoção (mulher) e razão (homem).

Se pensarmos na forma de tratamento hoje entre homens e mulheres penso na possibilidade do filme trazer algum tipo de humanização, apesar das minhas restrições às questões de gênero. Vivemos em uma sociedade em que as mulheres são muito maltratadas, por conta de uma distorção acerca da liberdade pela qual as feministas da segunda onda lutaram. Mas em um país como o nosso, em uma sociedade capitalista baseada na exploração, no lucro e individualismo, certos filmes como Crepúsculo parecem nos lembrar que há uma outra possibilidade de estar no mundo interagindo com o outro, sem os exageros, claro. Um pouco de amor em tempos de tanta violência, corrupção, inveja, maldades, maltratos parece não ser nada mal.

Será que fui mordida?

sábado, 16 de janeiro de 2010

JULIE & JULIA, 2009

Ficha Técnica:


Direção: Nora Ephron
Roteiro: Nora Ephron (baseado no livro de Julie Powell)
Produtores:
Nora Ephron
Laurence Mark
Amy Robinson 
Eric Steel 
Dana Stevens (executiva)
Elenco (principais):
Meryl Streep: Julia Child
Amy Adams: Julie Powell
Stanley Tucci: Paul Child
Chris Messina: Eric Powel

O filme Julie & Julia de Nora Ephron é um desses filmes que confundem. Ao sair da sala, o bilheteiro me perguntou se havia gostado e hesitei em responder, o que me levou inevitavelmente a pensar nas razões que me fizeram demorar tanto na resposta.  

Entendi a escolha de uma diretora e roteirista em filmar a vida de Julia uma professora de 36 anos, funcionária pública, que no final dos anos 40 foi para a França, devido ao trabalho do marido, e lá descobriu a cozinha francesa. Apesar das adversidades, a personagem Julia (Meryl Streep) mantinha uma positividade e um otimismo surpreendente, superando os obstáculos sócioculturais ao se matricular em um curso de culinária formado exclusivamente por homens e todos franceses. Naquela época, no final dos anos quarenta, em que as mulheres tinham como único papel social ser esposa e mãe, Julia cuida da casa e do marido, mas anseia por alguma coisa que a fizesse estar ativa, viva. Julia dedica-se ao curso de culinária e se transforma em uma escritora e apresentadora de televisão, publicando o seu primeiro livro em 1961.

Já Julie (Amy Adams) é uma mulher de 30 anos, também funcionária pública, mas trabalha como telefonista. Desgostosa com a sua vida, sobretudo diante de suas amigas tão bem-sucedidas, e a forçada nova morada, já que se mudara por conta do trabalho do marido, Julie percebe a sua vida completamente sem sentido.  Em um de seus momentos de insatisfação com a sua vida profissional, expões para o marido a necessidade que tem de fazer algo importante e resolve, por sugestão dele, fazer um blog sobre culinária, e ela escolhe as receitas de Julia, postando no período de um ano as suas experiências e impressões sobre os pratos no blog. Destaco um aspecto comportamental que permanece nas duas personagens apesar das décadas que as separam, ou seja, as mulheres sempre se deslocam, mudam de emprego, se desestruturam profissionalmente e pessoalmente por causa do marido.



Os acessos à página do blog rendeu a Julie uma matéria no New York Times e fez com que ela fosse cogitada por vários editores para escrever um livro de culinária. Isso sem contar com os inúmeros convites para participar de programas de TV sobre o tema.


A narrativa do filme mostra a história de duas mulheres que se realizaram na vida com uma atividade muito pouco valorizada: a culinária, sobretudo quando ocupada por mulheres. Falo de uma realização que inclui não apenas o prazer de fazer pratos, mas como isso é "naturalmente" induzido, da forma que o filme apresenta, e pode ser transformado em atividade profissonal. O diferencial é que a cozinha não é vista como um espaço em que a mulher se confina, mas um espaço de criação, paixão e de realização pessoal e profissional. É através da culinária que as duas personagens conseguem se firmar profissionalmente, mesmo que o encontro de cada uma delas com a gastronomia tivesse ocorrido em circunstâncias diferentes. 



A questão é que nos anos cinqüenta é compreensível que as mulheres, educadas exclusivamente para a construção da família, tivesse como uma das poucas possibilidades, a culinária como forma possível de se realizarem profissionalmente. Diferente de décadas depois em que as mulheres estão ocupando outros espaços. Acontece que as mulheres estão atuando em trabalhos que exigem muito pouco delas, são repetitivos, monótonos e, portanto, dificilmente capazes de realizar as suas ambições não supridas pelo casamento (e nem poderia). Nos dois casos, o filme deixa transparecer a influência da cultura de gênero, o que as levam a assumirem a cozinha.


As duas estórias, a de Julie e a de Julia, acontecem paralelamente, com idas e vindas, sem cortes abruptos, o que permite que o filme flua sem estranheza ou fastio. Não é um filme de grandes emoções, ações, reflexões, fortes arroubos, ou gargalhadas, apesar de ser classificado como gênero comédia, mas mantém a espectadora (ou o espectador) com o olhar fixo na tela. O filme “costurou” bem as seqüências para estabelecer as alternâncias temporais – já que as duas estão há décadas diferentes - e espaciais – Julia na França e Julie nos Estados Unidos – sem maiores confusões.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

TRÊS FILMES, TRÊS DIRETORAS

Existem três filmes em exibição de três diretoras e roteiristas que talvez valha a pena conferir. Um é o drama Julie & Julia (Julie & Julia), de Nora Ephron, já há algum tempo nas salas de exibição, e os outros dois são lançamentos: A Vida Íntima de Pippa Lee (The Private Lives of Pippa Lee), também um drama dirigido e escrito por Rebeca Mills e Uma Mãe em Apuros (Motherhood), uma comédia de Katherine Dieckmann. Os dois primeiros filmes estão sendo exibidos no Cinema do Museu, no  Corredor da Vitória, censura 12 e 14 anos, respectivamente, e o úiltimo projetado no Multiplex e no Aeroclube com censura livre.

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...