terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O Leitor (The Reader, 2008)


“It doesn't matter what I think. It doesn't matter what I feel. The dead are still dead.” Hanna Schmitz

O filme mais recente que vi foi O Leitor, antes mesmo da noite do Oscar. Sabia que os comentários feitos em relação ao envolvimento de uma mulher madura (Kate Winslet/Hanna Schmitz) e um jovem (David Kross/Michael) não era o eixo principal do filme, mas acreditar nisso parecia justificar a ida de muitos ao cinema. O filme é muito mais que uma história de amor entre pessoas de gerações diferentes e, o fato de ter sido visto por esse ângulo, já me permite alguns questionamentos: por que interessa às pessoas irem ao cinema para ver essa relação? O que as pessoas querem ver ou sentir a partir disso? Essa é uma discussão interessante e embora reconheça isso, por ora, penso que seja oportuno dizer que o filme é uma história de amor, sim, mas entre a personagem Hanna e a palavra, entre uma mulher analfabeta e a escrita.

O filme se passa nos anos 50, após a Segunda Guerra Mundial, quando a Hanna Schimtz, ex-vigilante do campo de concentração, passa a viver em situação difícil como “cobradora”. Para lidar com os horrores de uma realidade tão desumana vivida nos campos de extermínio, refugia-se na literatura através da qual consegue ter algum prazer e alívio diante do que fez. Era analfabeta e por isso precisava de alguém que lesse para ela. Foi quando conheceu Michael, um adolescente que, diante de sua curiosidade, logo após ter sido cuidado por ela quando o encontrou febril na rua, próximo a sua casa, passou a freqüentá-la, surgindo dali uma cumplicidade de prazeres mútuos.

Porém, quase dez anos depois, Hanna seria acusada pelas mortes das pessoas durante o holocausto. Foi incriminada por ter escrito o relatório, mas envergonhada de dizer que não sabia escrever e diante da imposição da Corte de fazê-la redigir em um papel para comparar a caligrafia, assume a responsabilidade de ter comandado as práticas no campo de concentração. No julgamento está presente Michael que mesmo percebendo naquele momento as suas limitações não interveio, alegando que ela mesma preferia ocultar esse fato.

Condenada a prisão perpetua, Hanna passa a viver das fitas cassetes que Michael lhe envia até que, não querendo mais depender dele, resolve aprender sozinha a escrever, ouvindo os fonemas pronunciados por Michael e comparando as formas escritas. Hanna se liberta, embora fisicamente presa, através da escrita. Quando está para sair da prisão, certamente por revisão do seu processo, Michael vai buscá-la, pois não há ninguém a sua espera na sociedade. Michael lhe assegura um emprego e um imóvel para morar. Durante a conversa percebe que diante de si existe um outro Michael, indiferente, um estranho. Quando retorna ali uma semana depois para buscá-la, ele tem notícia de seu suicídio. A morte passa a ser a saída para Hanna já que não teria mais sentido a sua existência, pois já estava completamente livre, inclusive para decidir sobre a sua própria vida.

Um filme espetacular que me emocionou muito pelofato de perceber nele como uma força interior, uma necessidade de liberdade, pode impelir alguém a realizar algo tão revolucionário mesmo em condições extremamente adversas, a tal ponto de modificá-la substancialmente. Vi o suicídio de duas formas: como o momento da consciência de plenitude, pois não se tem mais o que esperar do mundo, e, por outro lado, como forma de acabar com o sofrimento que a aguardaria, de desajuste com um mundo fora do presídio tão indiferente e estranho quanto foi o seu encontro com Michael adulto.
Um canto de amor à literatura, à palavra. TOCANTE.

A forma como ela aprendeu a ler mostra como um desejo maior que vem de dentro do indivíduo, através do fascínio pela palavra, com todos os seus encantos, consegue neutralizar as forças negativas que incidiam sobre ela. A literatura, a palavra, era o seu oxigênio, precisava daquele gesto para sobreviver, talvez, por isso, um filme tão visceral e extraordinariamente poético.

Citações:

"Young Ilana Mather: [Testifying in court] Each of the guards would choose a certain number of women. Hanna Schmitz chose differently.
Judge: In what way differently?

Young Ilana Mather: She had favourites. Girls, mostly young. We all remarked on it, she gave them food and places to sleep. In the evening, she asked them to join her. We all thought - well, you can imagine what we thought. Then we found out - she was making these women read aloud to her. They were reading to her. At first we thought this guard... this guard is more sensitive... she's more human... she's kinder. Often she chose the weak, the sick, she picked them out, she seemed to be protecting them almost. But then she dispatched them. Is that kinder?" (http://www.imdb.com/title/tt0976051/synopsis)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

REVOLUTIONARY ROAD (Foi apenas um sonho)

Foi apenas um sonho” é o nome do título escolhido para a tradução de “Revolutionary Road”, filme estrelado por Di Caprio e Winslet, conhecidos pelo par romântico no filme Titanic. Aparentemente parece não ter nada a ver, mas o título original e a sua tradução para o português (BR), associado a trama do filme, parecem evocar um passado, lido pelo presente, como um "sonho" de conquistas que aponta para uma realidade frustrante ou na melhor das hipóteses como uma utopia de juventude que, quando vista pelo presente adulto, aparece como uma experiência de um momento da vida e como escape para os conflitos provocados pelas relações cotidianas. Revolutionary Road (Caminho Revolucionário) representa um dos bairros do subúrbio dos Estados Unidos construído para as famílias de classe média que migraram para esses espaços em busca de segurança e tranqüilidade. Esses espaços começaram a ser amplamente resididos nos anos 50, momento em que o discurso da “mística feminina” será fortemente propagado e, também, questionado pelos intelectuais dez anos depois. Betty Friedan, em 1968, com o livro "A Mística Feminia" e Richard Yales, em 1961, com o romance "Revolutionary Road". A década de 60 representou o momento histórico em que artistas, intelectuais e membros organizados da sociedade civil questionaram os valores da classe burguesa, daí o traço existencialista marcante e presente nos personagens de "Foi apenas um Sonhos", April e Frank Wheeler. Ela que sonhava em ser atriz, acaba se tornando uma dona-de-casa e ele que esperava alçar vôos, que incluía Paris, permaneceu em seu emprego, tentando sustentar a família. É um filme que questiona o sentido de felicidade e de realização de homens e mulheres na família. Se o discurso hegemônico propaga a ideologia da família como o “lar doce”, tranqüilo e seguro, como as imagens das casas oferecem, no seu interior, nas vidas das pessoas o que predomina é justamente o contrário, como afirma o autor Yates em entrevista concedida em 1972:

"Eu acho que isso significava mais como uma denúncia da vida Americana na década de 1950. Porque durante os anos cinqüenta, houve uma conformidade de entusiasmo geral em todo o país, não apenas periferia - uma espécie de cegueira, uma desesperada adesão à proteção e segurança a qualquer preço, como exemplificado politicamente na administração Eisenhower e do Joe McCarthy Witchhunts. Enfim, um grande número de americanos foi profundamente perturbado por tudo isso - sentiu ser uma traição definitiva dos nossos melhores e mais bravos revolucionário espírito - e esse foi o espírito que tentei encarnar na personagem, em April Wheeler. Eu quis dizer que o título que o caminho revolucionário de 1776 tinha chegado a algo muito semelhante a um beco sem saída nos anos cinqüenta."

Está clara a referência aos ideais burgueses que fizeram eclodir a independência dos Estados Unidos, mas que, para o autor, foram traídos pelo programa republicano do então presidente Eisenhower, considerado conservador e que criava operações de "segurança social" por meio de projetos de fortalecimento da
política do país pautados no fortalecimento dos valores familiares burgueses.

O filme mostra o impacto dessas intervenções do Estado na vida das pessoas, vendendo seuas ideais e valores humanos em detrimento a uma vida hipócrita familiar em que as pessoas se vêem destruindo seus projetos de vida profissional, portanto de realização pessoal, para viverem confinadas a uma rotina familiar isolada, onde sonhos foram solapados em nome de um ideal pequeno-burguês de família. A prosperidade material estava longe da realização pessoal dos Wheelers.

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...