domingo, 29 de novembro de 2009

ALGO QUE VOCÊ PRECISA SABER, 2009.

QUELQUE CHOSE À TE DIRE é um drama francês de Cécile Telerman, diretora que também assina o roteiro. O filme narra a história de uma família com todas as suas contradições. Parece um velho mote, mas o filme não deixa de ser bem feito, embora em um determinado momento a narrativa acelere. Apesar de centrar-se em uma família, outros núcleos serão afetados, pois seus membros passam a se relacionar com pessoas que, apesar de serem a princípio desconhecidas, são bem mais próximas do que se imagina.

A família Celliers é formada por Henry Celliers (Patrick Chesnais), empresário de influência e aposentado, marido de Mady Celliers (Charlotte Rampling), uma dona-de-casa que abandonou a sua paixão, a pintura, depois de sofrer uma desilusão amorosa quando jovem, ao se apaixonar pelo seu professor com quem teve um filho, Antoine (Pascal Elbé), empresário falido que tenta esconder do pai adotivo a sua situação. Alice Celliers (Mathilde Seigner) é uma das filhas de Mady e Henry que, assim como a mãe, desenvolveu o gosto pelas artes plásticas. Alice conhece o policial Jacques ao ser flagrada por porte de drogas e com quem vem a ter um caso. Esta aproximação será crucial, pois Jacques descobre que Alice é irmã de Antoine, por quem desenvolverá um sentimento de ódio ao saber que seu pai, no testamento, deixou toda a obra para o seu filho “ilegítimo”.

O filme de Cécile Telerman tematiza questões profundas nas relações familiares, como infidelidade, casamento sem amor, desgaste nas relações, filhos ilegítimos, mentiras, que acabam marcando indelevelmente as vidas das pessoas envolvidas. Telerman fez questão de mostrar como as relações familiares não são um problema em si, mas que aquelas pautadas em segredos e mentiras, sobretudo em relação ao passado, tendem a arruinar vidas e provocar desarmonia.

As mulheres do filme são cinco e todas sofrem ou sofreram com os casos extra-conjugais. Mady sufocada em seu segredo por ter engravidado de seu amante que era casado; a mãe de Jacques que sofreu com as aventuras amorosoas do marido, levando-a abandonar o seu filho, Jacques; Annabelle que sofre ao engravidar do seu amante, também casado; a esposa de Jacques que engravida, mas logo é abandonada por ele e Alice que, depois de vários abortos de seus relacionamentos, resolve engravidar de Jacques, quando este decide ficar com ela.  As gravidezes aparecem em momento de crise ou de união. Mas é um fato curioso que o estado de gravidez se repita com tanta ênfase e de maneiras diferentes. De qualquer sorte, existem, nas histórias das mulheres, mágoas em relação aos maridos e aos amantes. As que eram casadas, atormentam-se com o fantasma da infidelidade dos maridos e dos filhos frutos desses relacionamentos, muitas vezes a mágoa é transferida para os filhos. Por outro lado, as amantes esperam que os filhos que elas levam dos homens possam acelerar a decisão deles em abandonar as esposas, coisa que não aconteceu com Mady, daí a depressão, mas aconteceu com Annabelle, sua filha, que teve um filho com um médico casado e que no final aparece posando para a foto com a família.

As úlimas cenas do filme são reservadas ao reencontro dos membros da família, agora mais ampla, diferente das cenas inciais do filme em que os membros se reunem com certo mal-estar e dirigindo-se mutuamente de forma rancorosa. Contudo, para chegar a esse momento, as máscaras precisavam cair, permitindo que cada um falasse o que estava sentindo, inclusive se separassem para que pudessem se encontrar novamente. O filme aparentemente pode passar uma imagem apologética da família feliz, mas mostra que para se chegar a um convívio respeitoso, faz-se necessário que as relações sejam francas e honestas. É com base nesse princípio que as várias vidas se refazem, de uma maneira mais leve e harmoniosa, com cada um aceitando e entendendo as histórias do outro.

Acesse o link para informar-se sobre local e horário de exibição: http://www.cineinsite.com.br/filme/filme-fichatecnica.php?id_filme=34524

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

MULAS COLOMBIANAS

Maria Cheia de Graça (Maria Llena Eres de Gracia/Maria Full of Grace) é um filme de origem norte-americana e colombiana, lançado em 2004, com roteiro e direção assinados por Joshua Marston. O filme conta a história de Maria, uma jovem de 17 anos, que trabalha tirando espinhos de rosas em uma cidade pequena da Colômbia. Grávida do namorado e tendo dificuldades no trabalho através do qual também ajuda a manter a família, formada apenas por mulheres, Maria se demite e parte para Nova Iorque como “mula”, isto é, arriscando a vida engolindo papelotes de cocaína. A adversidade e a situação de extrema pobreza levam as jovens comlombianas, ávidas por melhores condições de vida, a percorrerem caminhos difíceis, tortuosos, expondo, contraditoriamente, as suas vidas.

O cartaz do filme nos remete, em uma clara intertextualidade, à narrativa bíblica, já que nos faz lembrar da personagem Maria, considerada cheia de graça, por gerar aquele que salvaria a humanidade de todos os pecados e males. Também, faz clara referência à religião católica, que “fundou” a América Latina, ao trazer no cartaz a imagem em close up da protagonista com a cabeça inclinada para trás, recebendo papelotes de cocaína no lugar da hóstia, das mãos de um homem, fato marcante e simbólico, pois representa as relações de poder de gênero que alicerça as práticas socioculturais na América Latina e escudado pela religião.

Assim como a hóstia é ingerida simbolizando ritualisticamente a salvação da alma do pecador, os papelotes da droga são ingeridos ritualisticamente na crença da salvação e libertação das mulheres de todos os “pecados” erigidos das desigualdades sociais. As drogas significam para muitas mulheres a chance real e imediata, como são as necessidades vitais, de sobrevivência, de melhoria de vida, muito embora elas signifiquem também o caminho mais curto para a morte, pois o rompimento dos papelotes no estômago seria fatal para as mulheres. Curiosamente, apenas as mulheres são as “mulas”, os homens comandam, usam os seus corpos para os seus interesses, apesar do “consentimento” delas. O consentimento sem consentimento ao qual se refere Noam Chomsky em seu livro “O lucro ou as pessoas”. Nele, o autor norte-americano fala de uma aceitação induzida pela manipulação da linguagem e que no filme aparece como sendo uma mediação discursiva exclusivamente masculina. A solidão das meninas e o completo desamparo levam-nas a caminhos muitas vezes sem volta, como foi o de Lucy, assassinada depois do estouro do papelote em seu estômago e tendo em seguida seu corpo aberto pelos traficantes para a completa retirada das drogas. A desumanidade vista no diálogo entre os traficantes e as jovens mostra a reificação das pessoas que nada valem como seres humanos, mas apenas como lucro, coisas, meios para terem acesso ao dinheiro ou ao poder. Uma crítica feroz ao sistema capitalista que produz o refugo e depois tenta combatê-lo e usá-lo para manter o próprio sistema.

O sacrifício e a culpabilização, tão ao gosto católico, aparece no filme, mas subvertido pela protagonista que rompe com o ciclo de dependência familiar que a atolava a uma vida medíocre, sem saída, e escolhe refazer a sua vida nos Estados Unidos, mesmo com todas as grandes dificuldades que os latinos passam naquele país.

As mulheres que nascem em um país de cultura historicamente patriarcal e cheio de limitações são vistas apenas como mão-de-obra barata, objeto de prazer dos homens ou como “mulas”, curiosamente todos “servem” aos interesses dos homens que as comandam. A família de Maria, formada apenas por mulheres, exceto o bebê, tem grandes dificuldades em se manter, pois representa um núcleo familiar que sobrevive sem a presença masculina. Estes as abandonaram quando estavam grávidas.O patriarcado que gera homens irresponsáveis e desumanos e mulheres alijadas do seu corpo e desumanizadas mostra a sua face mais perversa no filme que criticamente expões as contradições dessa estrutura social. Esse patriarcado dentro de um sistema econômico capitalista gera a extrema decadência humana nos países pobres que apenas servem como geradores de mão-de-obra barata na sustentação das riquezas dos países desenvolvidos. Os países da América Latina reproduzem a lógica da exploração econômica que, ao se justapor à cultura patriarcal da exploração de gênero, transforma as mulheres pobres em um grupo social duplamente subjugado.

Maria, Juana, Lucy, Carla são personagens de um filme, mas que encontramos em muitos lugares. O mesmo sistema que mostra um estilo de vida prazeroso e confortável para “todos” é o que veda o acesso às mulheres a obtê-los pelos meios lícitos, restando a elas entregarem-se a outros meios perigosos como forma de obterem o mínimo para a sua sobrevivência.

• Título original: Maria, Llena eres de Gracia
• Gênero: Drama
• Duração: 01 hs 41 min
• Ano de lançamento: 2004
• Estúdio: HBO Films / Santa Fe Productions / Tucán Producciones Cinematográficas Ltda. / Alter-Ciné / Journeyman Pictures
• Distribuidora: Fine Line Features / Imagem Filmes
• Direção: Joshua Marston
• Roteiro: Joshua Marston
• Produção: Paul S. Mezey
• Música: Leonardo Heiblum e Jacobo Lieberman
• Fotografia: Jim Denault
• Edição: Anne McCabe e Lee Percy

Elenco principal:

• Catalina Sandino Moreno (Maria Alvarez)
• Yenny Paola Vega (Blanca)
• Virginia Ariza (Juana)
• Johanna Andrea Mora (Diana)
• Wilson Guerrero (Juan)
• John Álex Toro (Franklin)
• Guilied Lopez (Lucy)
• Patricia Rae (Carla)
• Orlando Tobon (Don Fernando)

sábado, 21 de novembro de 2009

MULHERES ATRÁS DAS CÃMERAS: NORA EPHRON

Talvez pelo nome poucos a conheçam, mas Nora Ephron escreveu um clássico do gênero comédia romântica, aliás filão que vem sendo incluído no currículo das mulheres seja na condição de diretoras, seja na de roteiristas. Harry & Sally: feitos um para o outro é um desses filmes que provoca inquietações e indignações em mulheres que já superaram a relação de dependência a um homem para se realizarem. O filme apresenta o que há de mais estereotipado nas relações de gênero: uma mulher madura  procurando desesperadamente um marido e um homem maduro tentando superar a rejeição, já que abandonado pela mulher. Aliás ambos terminaram os seus relacionamentos por decisão de seus companheiros. A diretora mostra como homens e mulheres lidam na maturidade com as perdas afetivas.

A maior pressão ocorre por parte dos amigos dele e dela, pois todos querem que eles tenham outra relação para esquecer o trauma do abandono. Harry & Sally, em seu desfecho, apresenta um personagem masculino que decide arriscar novamente. Parte em direção à festa de Fim de Ano, quando ali inciam um percurso juntos. No fim, um começo.

Outros filmes da diretora foram: A Feiticeira (2005), Bilhete Premiado (2000), Mensagem pra você (1999), Sintonia de Amor (1993), os dois últimos com os atores Tom Hanks e Meg Ryan. Em Sintonia de Amor há visível relação intertextual e interdiscursiva com o filme Tarde Demais para Esquecer (Afair to Remember, 1957), parafraseando a cena em que os protagonistas marcam um encontro no Empire State Building.

As mulheres que atuam atrás das câmeras têm escolhido os temas de amor, que falam de relacionamentos, mas que precisam ser vistos de uma forma mais crítica, pois em se tratando de Holywwod e de filmes a serem comercializados, precisamos ver como as mulheres estão se inserindo em uma atividade que tem sido visivelmente um território masculino. Existem contradições, ambiguidades? Elas reproduzem o esquema do "male gaze", sendo apenas porta-vozes ou inserem algum tipo de atrito, ainda que velado, em seus filmes?

Em 2009, Ephron lança Julie & Julia com Meryl Streep, filme baseado na vida de Julia Child, autora de livros de culinária e apresentadora de TV, e de Julie uma jovem que tenta fazer todas as 524 receitas de Child. Talvez seja interessante ver o filme que tem como grande atração, sem dúvida, Meryl Streep.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

domingo, 1 de novembro de 2009

AS MULHERES ATRÁS DAS CÂMERAS

Isabel Coixet tem despontado no cinema atual como diretora e/ou roteirista de grande talento e sensibilidade. Nascida na Espanha, seus filmes tematizam a experiência humana em seu limite, daí a morte estar sempre presente em seus filmes, física ou simbolicamente. A morte serve de pretexto para enaltecer a vida, em sua plenitude, longe das banalidades que leva a sociedade consumista a aprisionar as pessoas. Em Minha Vida Sem Mim, 2003, e Elegia, 2008, que no Brasil recebeu a estranha tradução de Fatal, a morte faz-se presente para mostrar o quanto as pessoas se prendem a coisas desimportantes, esquecendo-se, diante do espetáculo da aparência e do extremo individualismo, acentuados por uma sociedade de consumo, a alienação do sujeito da percepção de si. Esse aspecto é bem evidenciado no primeiro filme, Minha Vida Sem Mim, através da fala da protagonista, mãe de duas meninas, que se angustia com o fato de saber que as suas filhas terão de cantar músicas estúpidas que passam na televisão. A morte faz com que a vida ganhe outra dimensão e redireciona o olhar para a leveza, para as pessoas e sua humanidade, antes de serem reificadas. Em Elegia, assim como em Minha Vida Sem Mim, a protagonista também descobre que está com uma doença incurável. O personagem masculino, um homem de aproximadamente sessenta anos, apaixona-se por ela, mas tem receio de entregar-se. A morte aparece para ele duas vezes e faz perder duas pessoas significativas: o seu melhor amigo e confidente e a mulher que amava. Em Minha Vida Sem Mim, a protagonista morre aos 23 anos, em Elegia também a protagonista morre muito jovem, dissociando, dessa forma, a idéia da morte ligada à velhice. Essa recorrência nos filmes de Isabel Coixet parece querer nos dizer o quanto a vida é curta e imprevisível e que essa imprevisibilidade deveria levar as pessoas a uma leveza maior, mudando completamente a forma de ver e sentir o mundo, tornando cada momento melhor para si e para o outro.

A consciência da efemeridade da vida longe de levar a um carpe diem desenfreado, sugere um viver intensamente, mas degustando lentamente cada momento.

As mulheres nos filmes morrem, mas não são mártires. Sendo mulheres, a diretora atinge diretamente a audiência feminina para provocar, não a comoção, mas uma reflexão sobre a precariedade da vida e a necessidade de vivê-la mais intensamente, arriscando-se mais, ousando mais e transcendendo-a muito mais.
“Alguien dijo que desde el momento en que uno tiene vida interior, ya está llevando una doble vida. Las palabras, como manadas de peces, pululan en nuestra cabeza y se agolpan en las cuerdas vocales, pugnando por salir y por ser escuchadas por los demás. Y, a veces se pierden en ese camino entre la cabeza y la garganta. Esta película trata de todas esas palabras perdidas, que durante mucho tiempo vagan en un limbo de silencio (y malentendidos y errores y pasado y dolor) y un día salen a borbotones y cuando empiezan a salir ya nada puede pararlas.” ISABEL COIXET

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...