sexta-feira, 11 de março de 2011

É O CINEMA AÊ, GENTE

O grito parafraseia o cantor, compositor e puxador Neguinho da Beija-Flor, da Escola de Samba de Nilópolis. Mas não vou falar da campeã do carnaval carioca de 2011, mas de duas outras escolas que trouxeram o cinema como tema.

A Escola de Samba Unidos da Tijuca, cujo presidente é Fernando Horta, trouxe como tema de samba-enredo “Esta noite levarei a sua alma”. Durante o desfile, muitas referências aos filmes hollywoodianos, principalmente de ação (Avatar, Indina Jones, Na Montanha com os Gorilas, Transformers, Priscila, a Rainha do Deserto, entre outros), e os brasileiros (a exemplo de Carlota Joaquina e, no vídeo montado no carro alegórico, O Pagador de Promessas, Central do Brasil, entre outros). Em um dos destaques, esteve presente o cineasta José Mojica, conhecido como Zé do Caixão. Já a Acadêmicos do Salgueiro, presidida por Regina Celli Fernandes Duran, trouxe como tema “Salgueiro apresenta: O Rio no Cinema”, mostrando também em sua evolução o cinema, mas focando nas realizações brasileiras.

Os sambas-enredo das escolas mostram o poder do cinema como um ardiloso meio de sedução no qual os diretores “sob o capuz delira” e tentam levar a alma do povo através dos diferentes gêneros: terror, ação, comédia, e outros. Mas, o povo (da comunidade tijucana e, quiçá, outros) não teme ninguém, ao contrário, engana o cinema e o seu próprio sonho projetado, pois, segundo a letra não há roteiro com “ponto final”. O espectador responde fora da expectativa do diretor, já que "morrer de amar, faz o povo gargalhar" e quando o "nal condutor" acha que evolveu o espectador, "deu tudo errado, não há outro lado" e diz "esse povo me enganou".  Um texto que agrada aos teóricos da recepção.

Através de um jogo especular, o refrão deixa claro que a estrela do cinema não está dentro do filme, mas fora dele: “Eu sou Tijuca e estou em cartaz” porque é ele não é aquele suposto espectador que aasiste passivamente (se é que é possível), mas é ele quem controla o significado, a interpretação. Assim, o povo se apropria da mesma ferramenta para falar de suas experiências, da sua cultura, dos seus valores. A questão é saber qual o grau de interferência de outros grupos de interesse, que não são oriundos dos bairros da Zona Norte do Rio, na concepção do tema e do enredo.

O Salgueiro também reforça a idéia de que o povo é o protagonista da festa; “cada um é um astro que entra em cena”. A metáfora do cinema como produtor de estrelas, de personagens admiráveis porque vistas e por personificar valores sociais como força, coragem, tecnologia, ciência, beleza, entre outros, parece seduzir o espectador. A idéia de ser um astro está relacionado a necessidade de ser visto, estar sob o olhar e a admiração do outro, o que parece não acontecer com o povo no dia-a-dia, esquecido pelas autoridades.

Em outro momento da composição do Salgueiro, em uma lúdica dessacralização, a estrofe ilustra o paradoxo "perfeito” que talvez explique melhor a condição de povo multicultural que somos:

“O cenário é perfeito
De braços abertos sobre a Guanabara
O filme mostrou maravilhosa chanchada
Sob a direção do Redentor.”

Aqui a palavra direção pode se referir tanto a ideia de norte quanto daquele que dirige o filme, neste caso, o Redentor, metonimicamente referindo-se a um símbolo da cultura judaico-cristã. A experiência conflituosa barroca, em que o sagrado e o profano dilaceram a alma humana, aparece harmoniosamente nos versos da música, e mais, a experiência carnavalesca, popular,  representada pela "chanchada" (referência aos filmes com temática carnavalesca entre os anos 30 e 60) é  orquestrada, dirigida por quem representa o sagrado.

Nesta postagem, como não posso falar apenas de cinema, mas também da mulher, vale destacar que o Salgueiro, é a única escola de samba que tem na presidência uma mulher. Nem vou mencionar puxadores e compostitores ou mestres de bateria...


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