quinta-feira, 30 de junho de 2011

Terras perdidas (A Thousand Acres), de Jocelyn Moorhouse, 1997

Jocylin Moorhouse
Certa vez em uma entrevista perguntaram a diretora Nora Ephron sobre a relação entre as personagens femininas em seu filme, o que levou a diretora a citar uma matéria em que uma escritora indignava-se sobre a forma que a amizade entre as mulheres eram distorcidas nos filmes:

...eu acabei de ler uma matéria muito briguenta em algum lugar, acho que foi no Wall Street Journal ou algo assim, não consigo me lembrar direito. Foi escrita por uma mulher que tinha lançado um livro sobre amigas mulheres e ela estava muito nervosa porque dizia que as amizades femininas são sempre distorcidas nos filmes. No cinema elas são mostradas como alegres e fabulosas... e eu pensei "Bom, espera então até ela assistir ao nosso filme!". (site Omelete)

O que me chama a atenção é que os filmes dirigidos por mulheres que mostram solidariedade e cumplicidade entre elas parecem incomodar mais do que os que trazem homens que se ajudam mutuamente em qualquer situação corriqueira. Os filmes de ação em geral protagonizados por homens mostram com muita freqüência o senso de disputa e de irmandade entre eles, mas quando as mulheres aparecem juntas, tentando formar essa mesma irmandade solidária, a mesma afinidade de gostos e pensamentos, as pessoas reagem de forma diferente, achando que é muito piegas ou até mesmo irreal. Isso parece estar na base cultural misógina expressa no dito popular que diz que nenhuma mulher é solidária entre si. Bem, a verdade é que tenho visto nos últimos três anos muitos filmes dirigidos ou roteirizados por mulheres e vejo que essa ideia é inconsistente, pois a amizade entre as mulheres aparecem, mas não sem tensões, negociações, rupturas e aproximações.

O filme Terras Perdidas, dirigido por Jocelyn Moorhouse, escrito por Laura Jones e baseado no livro de Jane Smiley, nos faz lembrar os filmes escritos por Callie Khouri, já que ambientado também no oeste dos Estados Unidos, com personagens centrais femininas que vivem sob a tirania do pai patriarcal. A história se passa em uma fazenda onde mora uma família formada por três irmãs, duas delas casadas e com residências dentro da propriedade do pai, e o patriarca, um homem velho, viúvo, que não consegue administrar a fazenda como outrora. Os genros trabalham na propriedade, mas com dificuldades. Certo dia, o pai resolve dividir a fazenda entre as três filhas, sendo que a terceira põe em dúvida se seria a melhor opção naquele momento. Em razão disto, vê-se alijada da herança. Excluída partilha, ela se muda e, mais adiante, se casa. O pai se arrepende de ter feito o acordo com as filhas que logo recebem uma intimação dele e da irmã caçula, que atua como advogada. Durante o desenrolar do filme, muitos acontecimentos são revelados, como a sedução do pai e as relações sexuais com as filhas quando adolescentes, provocando ódio em uma e resignação na outra. É muito dramática a cena em que elas revelam os acontecimentos, como a entrada do pai em seus quartos para seduzi-las. Uma delas, a resignada, vivida por Jessica Lange, em um desempenho ímpar, não aceita as colocações feitas pela irmã mais revoltada. Vivida por Michelle Pfeiffer, que relata o que lhe aconteceu e pede que a irmã confirme se com ela também passou pela mesma experiência. Depois de muitas negações, Lange finalmente confirma. Em um dos diálogos, Pfeiffer diz que não foi estuprada, mas seduzida, o que nos permite uma reflexão sobre as formas sutis de violência, já que não acompanhada de uma agressão, mas consentida, de um consentimento que nos faz lembrar Noam Chomsky, quando em O Lucro ou As Pessoas fala do consentimento sem consentimento, mostrando como as pessoas são induzidas a consentir. Lange, por sua vez, disse que tinha relações sexuais porque achava que tinha que fazer, que era certo, já que era o pai, vinculando o consentimento a outros aspectos afetivos.

O filme narra os conflitos também entre as irmãs, sobretudo quando se envolvem com o mesmo homem (Colin Firth), amante das duas. A divergência entre as duas se dava pela visão e temperamento distintos. No entanto, permaneceram unidas, apesar de todos os percalços.

Neste sentido, a solidariedade entre as mulheres é uma condição sine qua non para que elas sobrevivam dentro de uma estrutura patriarcal, principalmente quando se trata de irmãs, como mostra o filme de Moorhouse. Vale destacar que enquanto o processo contra as irmãs Lange/Pfeiffer tramitava, a cidade virou-se contra elas, chegando ao ponto do advogado pedir que elas começassem a usar vestidos e não calças, além de terem que mostrar para o público uma moral inabalável. Todas essas questões nos levam a pensar no que as diretoras estão escrevendo e como estão escrevendo, pondo em questão a ideia que alimenta alguns pesquisadores no Brasil em cinema que acha que as mulheres não estão preocupadas com as assimetrias de gênero (já ouvi isso).

Bullshit, elas estão falando das experiências das mulheres, do ponto de vista delas, independente da cultura, do país, elas narram histórias e temas da vivência delas, e mesmo quando o protagonista é um homem, está deslocado da representação do macho, preferindo um personagem marginal, em conflito, inclusive com a própria construção da masculinidade, da forma que hegemonicamente conhecemos.


Duração: 105 Min.
Produtora: Universal Pictures
Direção: Jocelyn Moorhouse
Elenco: Michelle Pfeiffer, Jennifer Jason Leigh, Keith Carradine, Jessica Lange, Colin Firth, Pat Hingle, Michelle Williams, John Carroll Lynch, Elisabeth Moss

Frankenstein & E.T: o estranho mundo para as mulheres

Mary Shelley
O que pode haver em comum entre Frankenstein, de Mary Shelley, e E.T, de Melissa Mathison? As criadoras dos monstros mais famosos da história da literatura e do cinema, respectivamente, são mulheres. O que as diferenciam? Elas viveram em épocas e lugares diferentes, tendo possivelmente motivações situacionais distintas para criarem seres quase humanos. Shelley põe em questão a relação criador/criatura e, assim como Mathison, mostra que a criatura é um ser deslocado do espaço social o que pode funcionar como a metáfora da própria mulher. O mito frankestaniano estaria na tradição bíblica se atentarmos para a ideia de que a mulher foi criada a partir de uma parte de um outro ser vivo, neste caso o homem, o que não difere da base constitutiva que norteia o pensamento de Dr. Frankenstein, de criar um ser a partir de outros seres. Quem já teve a oportunidade de assistir ao filme sabe que o ser criado em laboratório é resultado da reunião de várias partes do corpo de seres recém-mortos. Essa referência intertextual nos faz pensar na ideia de que o ser criado em laboratório seria simbolicamente a mulher.

Melissa Mathison
No século XIX, quando as mulheres passaram por uma educação sentimental e foram incorporadas socialmente a um sistema que as tutelava ao homem,Shelley, que tivera uma educação liberal, sobretudo sendo filha da feminista e filósofa Mary Wollstonecraft, cria a história de um monstro sem nome a partir de uma competição proposta por Lord Byron quando estavam, ela, seu marido, Byron e outros, em um castelo na Suiça em uma noite de tempestade o que os impediu de saírem. Na época, o galvanismo ou eletroforese estava em voga, as discussões científicas entre a vida e a morte norteavam as conversas entre intelectuais.

Ser criado por Dr. Frankenstein
Já Mathison, roteirista do filme E.T, dirigido por Steven Spilberg, que por sinal tem recebido os louros de criador do extraterrestre, deu vida a um ser que, em razão de não pertencer a um lugar na Terra, sente-se igualmente deslocado. Ora ele é adorado ora execrado. O fato de possuir poderes específicos, eles deveriam ser controlados, pois vistos como perigosos. E.T, diferentemente de Frankenstein, não foi criado a partir da corrente elétrica, mas resulta da mente imaginativa de uma mulher que simbolicamente mostra o que significa ser diferente em uma sociedade. O extraterrestre de Mathison é pequeno, disforme, frágil, amoroso, diferente de outros da tradição cinematográfica, como em Independence Day e Allien o 8º passageiro, os quais são vistos como invasores e perigosos,

E.T de Melissa Mathison
O E.T de Mathison é diferente. Ele não agride as pessoas. Está perdido e precisa retornar para casa, metáfora do espaço de acolhimento, em detrimento à terra, espaço de hostilidades. As crianças são as suas amigas, pois assim como o extraterrestre elas também não são compreendidas pelo adulto, o que as aproxima da marginalidade desfrutada pelo alienígena.

De tempos em tempos, as mulheres falam de seres estranhos, diferentes, em busca de identidade e deslocados socialmente.

domingo, 26 de junho de 2011

Filmes em exibição em Salvador

Dos 31 filmes em exibição em Salvador no dia 26 de junho de 2011, 13 eram de origem norte-americana, mostrando que a maior fatia do mercado de exibição cinematográfica privilegia os filmes dos Estados Unidos. Desses, 05 são brasileiros, a mesma proporção dos filmes italianos. No entanto, se pensarmos em um contexto mais amplo, vemos que embora o número de filmes norte-americanos seja maior do que o de outros países, no cômputo geral, as outras produções superam os filmes lançados pelos Estados Unidos que possuem aproximadamente 42% dos filmes lançados em solo baiano. Os outros ficam com 58%, sendo que Salvador exibe apenas 16% dos filmes brasileiros. Em relação ao gênero, prevalece o drama. Já em termos de direção, no que toca ao sexo, as mulheres ainda são minoria esmagadora. Dos 31 filmes, apenas 03 são dirigidos por mulheres, sendo que dois unicamente por elas. O mais curioso é que um desses filmes é uma animação, campo pouco ocupado pelas mulheres. Os documentários aparecem com cinco exibições, o que representa certa projeção, ainda que tímida em relação aos outros gêneros.

Fonte: cinesite.com.br

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Katryn Bigelow e Mary Shelley

Uma postagem rápida. Lendo sobre Frankenstein, vi o seguinte enunciado proferido por Mary Shelley e que poderia ser parafraseado por qualquer mulher de hoje, inclusive Katryn Bigelow:

Como é que eu, então uma jovem, pude pensar e discorrer sobre um assunto tão horrível?”( SHELLEY, 2002, p. 5).
Guardando as devidas proporções e considerando que Shelley tinha 18 anos quando começou a escrever a sua história, o que a aproxima de Bigelow é o fato de que ainda se vincula os gêneros das narrativas ao sexo. Shelley questiona-se sobre a sua pouca maturidade e pouco traquejo em um gênero que a consagraria, muito embora fique implicitado que a dificuldade também estava atrelada ao fato de ser a única mulher do grupo.

Bigelow, no século XXI, mostra que os gêneros narrativos ainda estão atrelados ao gênero.  De qualquer sorte, ambas entraram em uma espaço de pouco ou nenhum acesso às mulheres: as narrativas de terror (embora criadoras delas) e de guerra. 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ecos do Oscar concedido ao filme Guerra ao Terror, de Katryn Bigelow

''Depois que você trabalha há anos em um estúdio, você se sente como uma das pernas de uma centopéia, útil como uma espécie insignificante em um módulo operacional ...". (Francis Marion, roteirista)

Recentemente estive conversando com um aluno do curso de Comunicação sobre filmes, direção e mulheres, aliás uma trilogia que rende uma boa conversa. Uma conversa que me proporcionou um olhar suplementar às minhas reflexões sobre o filme Guerra ao terror, de Katryn Bigelow, vencedora do Oscar de melhor diretora em 2010. Lembro-me de ter lido na época em que ocorreu a premiação um e-mail escrito por um homem, por sinal indignado, pelo fato de Avatar não ter ganhado o Oscar naquele ano. O referido autor sugeria em seu texto que se deveria ver os filmes para além das questões de sexo (não mencionou gênero), já que Avatar seria muito mais crítico em relação à sociedade, do que Guerra ao Terror, que, segundo o crítico, trazia uma imagem condescendente dos norte-americanos em relação ao oriente médio. Em outras palavras: o crítico tentava persuadir de que não caberia ali a defesa da mulher, mas da ideologia do filme.

A questão colocada pelo crítico é bastante pertinente e penso que ele tenha razão no que diz, porém, para os estudos feministas do discurso, a análise de um filme não pode prender-se exclusivamente à sua diegese e, aqui reside uma questão importante: as condições de produção. O filme Guerra ao Terror pode significar, por mais estranho que possa parecer, uma resposta à cultura androcêntrica da sociedade ocidental, principalmente no cinema, um reduto muito masculino. Se apenas quatro mulheres concorreram como diretoras nos quase 90 anos de premiação e apenas uma venceu com um tema de interesse masculino e norte-americano, sobretudo em um momento delicado em que um novo presidente tentava reunir uma nação aterrorizada e minimizar uma imagem negativa, bélica, propagada pelo seu antecessor, é porque a lógica hollywoodiana ou pelo menos da associação dos diretores daquele país, na maioria homens, orquestra a forma de se fazer cinema para premiação.

Katryn Bigelow mostrou que 1) uma mulher pode dirigir qualquer gênero de filme; 2) que Hollywood é androcêntrica, pois precisou que ela dirigisse um filme ao gosto masculino para ser premiada; 3) o cinema é um discurso e, portanto, performance; 4) se uma diretora quiser ser premiada em Hollywood terá de ser travestida de homem (metáfora). Em outras palavras: o cinema hoje, naquele país, parece viver como as mulheres no século XIX que, para escrever os seus romances e publicá-los, tinham que usar pseudônimos, se vestir de homens (literalmente), a exemplo de George Sand, ou então o que algumas escritoras brasileiras fizeram no início do século XX, como Raquel de Queiroz, ao escolher temas canônicos, como o sertão, para entrar no seleto grupo das historiografias literárias, ser lida, portanto (de fato, o seu livro foi selecionado pela escola que estudava no final dos anos 70). Mesmo sem ter escrito com uma linguagem marcada criticamente pelas questões de gênero, isso não significa que a crítica feminista não veja a sua produção como uma forma de inserção literária e, também, como uma questão estrutural, mais ampla, de ordem sociocultural androcêntrica que direcionava a crítica literária na seleção dos livros a serem editados, distribuídos e lidos. O cinema parece viver isso hoje, no século XXI.

Bigelow sabia que com O Peso da Água (The Weigth of Water), de 2002, um filme denso estrelado pela não menos intensa Sarah Polley (Fez dois filmes com a diretora espanhola Isabel Coixet), não chegaria a vencer o Oscar. Para isso, teria de ser um filme que trouxesse um impacto menos intimista (embora o filme Guerra ao Terror mostre isso em algumas cenas), e que projetasse uma imagem norte-americana positiva como exigia o momento político naquele momento.

A premiação do filme Guerra ao Terror deixou visível não apenas os laços estreitos entre o cinema de premiação e a política, mas o campo hostil às mulheres, inclusive premiando-a (!), pois a premiação não é para “elas”, mas para “eles”, para a servir à ideologia “deles”. Para serem premiadas, o que representa certa visibilidade, elas tiveram de percorrer um século e perceber o quão androcêntrica é Hollywood e dizer isso não no espaço da narrativa fílmica, como em Thelma e Louise, roteiro de Callie Khouri (venceu o Oscar de melhor roteiro), mas negociando com os poderosos diretores da indústria cinematográfica. A mensagem deles foi dada: elas podem ganhar um prêmio, mas escolheremos de que forma.
 
“Se Bigelow for indicada por melhor direção no Oscar em março, seria apenas a quarta vez que uma mulher foi indicada, sem contar com as mais de 400 indicações para diretor ao todo (as outras três foram Lina Wertmüller em 1976, Jane Campion em 1993, e Sofia Coppola em 2003). Nenhuma mulher jamais venceu. (COCHRANE, 2010).
 
 
Nenhuma mulher acima de 40 teria possibilidade de resistir a filmagem de um longa. Eu escutava as pessoas dizerem que o tipo de filmes que eles queriam fazer era muito longo, muito árduo para uma diretora. O pior era quando o meu agente enviava uma outra diretora para entrevista, e depois o rapaz me chamava e dizia, ‘nunca me envie alguém novamente com quem eu não quisesse transar’. (COCHRANE, 2010)

sábado, 11 de junho de 2011

ANÁLISE DAS CENAS


O filme A Última Legião (The Last Legion), 2007, de Doug Lefler, traz uma personagem feminina, guerreira, vivida por Aishwarya Rai, que luta contra os godos superando-os em agilidade e destreza com as armas. No entanto, ao se encontrar com o protagonista vivido pelo ator Colin Firth, ela deixa de ser tão poderosa, perdendo mesmo o direito de ter um cavalo. Assim como uma criança, a mulher também precisa ser conduzida. Em relação à mulher, fica explícita que a sua depedência tem uma marca de gênero, diferentemente da criança que é em razão da idade. A criança é tutelada pelo adulto e a mulher pelo homem. Será que não havia dois cavalinhos a mais para as personagens?

Cópias de DVD com defeito

As cópias domésticas contam com um novo aliado: as cópias mal feitas dos filmes colocados à venda no mercado. Recentemente, fiz peregrinações quase diárias às lojas para trocar DVDs com defeito. O filme Enrolados, animação da Disney, está com um problema de lote no capítulo 8 (já que testei três cópias e as três apresentaram problemas, inclusive no aparelho da loja), no momento em que Rapunzel e Eugene saem do rio quando a represa se rompe. O filme Sonhos Roubados, de Sandra Werneck, apresenta um travamento no capítulo 12, bem no finalzinho quando as três meninas estão caminhando pela rua. Crepúsculo dos Deuses, um clássico, o mesmo problema dá-se exatamente em 1h20min26s. O Leitor, estrelado por Kate Winslet, também apresenta problema, o filme trava no capítulo 8, quando Michael está do lado de fora fumando um cigarro ansioso pelo veredicto de Hanna, na sequência, há um travamento do disco. O filme Samba, com Sara Montiel, apresenta o mesmo problema dos demais, quando, depois de estar na praia com seu namorado, a personagem se dirige para a pista e, escondida em um arbusto, vê seu namorado conversando com dois homens suspeitos. O filme trava quando ela sai do arbusto e parte em direção ao rapaz (não me lembro exatamente o capítulo). Enfim, tudo isso aconteceu na mesma semana, em uma mesma compra. Todos foram testados na loja e o problema foi detectado, exceto o filme O Leitor. Vale lembrar que outras cópias foram adquiridas e não apresentaram problemas de fabricação.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Alguém assistiu a esses filmes?

Assisti a um filme feminista há muito tempo ambientado em um espaço mítico, futurista, em que a terra fora devastada pelas guerras e pela ganância desmedida, e em razão disto tornou-se árida, sem riquezas que fornecesse subsistência à sobrevivência humana.

Sempre que me encontro com alguém que se interessa pela temática, narro o filme para ver se já assistiu, mas até agora parece que apenas eu assisti a este filme. Os atores não são conhecidos, o que dificulta mais ainda.

Neste planeta, apenas as mulheres sobreviveram, exceto doze homens que se espalharam pela terra com a missão de resgatar o poder, agora nas mãos das mulheres. Quando assisti ao filme só vi a parte em que um homem chega a uma região em que duas tribos de mulheres são as únicas sobreviventes. Embora desconfiadas, as mulheres o recebem e ao obter a confiança delas, ele começa o seu plano: primeiro provoca uma crise no relacionamento de duas mulheres ao se interessar por uma delas (primeira tentativa de divisão); segundo sugere a uma das líderes (que depois o espectador sabendo que já tinha sido a sua amante, o que nos faz pensar em um processo de congelamento desses homens, pois a mulher está velha e ele jovem) que a sua tribo roube a energia das mulheres da outra tribo (segunda tentativa de divisão). No fim do filme, ele é expulso da região acompanhado da fala da anciã que diz saber muito bem do que eles são capazes. Ele olha para trás e diz que não há problema em ser expulso dali porque eles são doze ao todo. Vejo aqui a terceira e última tentativa de dividir as mulheres, instalando o medo.

Nunca mais vi esse filme. Alguém já viu?

2. Há outro filme que também é interessante com atores também desconhecidos. A personagem é uma mulher que vai ao tribunal como vítima de estupro e sente-se injustiçada ao ver os cinco estupradores, todos executivos, serem julgados e inocentados. Diante disso, ela se suicida. O seu irmão, igualmente desgostoso com o desfecho do julgamento, resolve dar-lhe novamente vida com o objetivo de vingar a honra da irmã. Uma vez reconstruída, ela mata um por um. O mais curioso é que perto de castrá-los, ela profere as mesmas palavras que eles enunciaram durante a consumação do estupro: “beautiful, very beautiful”(bonita, muito bonita). Uma jornalista, com muita dificuldade, tenta aproximar-se dela.

No final, durante uma perseguição com a polícia, não me lembro se ela se joga novamente de prédio e o irmão também. O final não está claro para mim. Alguém assistiu a esse filme?

PEQUENOS E BREVES EXERCÍCIOS DO OLHAR

O  filme Foi Apenas Um Sonho, de Sam Mendes, 2008, Frank Wheeler (Leonardo de Caprio), um homem dividido entre viver o seu sonho e manter-se acomodado à realidade aparece representado na cena através da divisão do espelho. O personagem está olhando a foto da esposa April Wheeler.

Em Crepúsculo dos Deuses, 1950, de Billy Wilder, Norma (Gloria Swanson), é uma atriz do cinema mudo que vive do passado glamoroso. Ela sonha em retornar para as telas, pois acha que ainda pode arrebatar o público como outrora. A sua prisão ao passado aparece na cena acima, circundada de fotos antigas.  
Nesta cena, Joe (William Holden) e Betty (Nancy Olson) estão elaborando um roteiro juntos. A iluminação do rosto dela e o sombreamento no dele mostra o contraste de gerações e de potencialidades. Ela é uma aspirante a roteirista, com um longo caminho pela frente, ambiciosa, ele é um roteirista fracassado, tendo-a como uma chance de voltar a escrever para os estúdios.  
No filme Foi Apenas um Sonho, para mostrar o estado de opressão da personagem a um estilo de vida sufocante, o diretor opta por enquadrá-la no espaço de abertura da porta, emoldurada, confinada a vida doméstica. Uma realidade das mulheres de classe média dos anos 50. O contraste entre a tonalidade da roupa e do marrom da porta evoca uma tensão entre as aspirações da personagem e o código social.
Para mostrar a personagem enquadrada ao código social, existe um equilíbrio de cores nos tons marrons e bege. A mulher diante da penteadeira, cercada de fotos dos filhos, mostra-a uma mãe zelosa, da mesma forma que cuidadosa em aparentar-se bonita aos membros da sociedade.
Outra forma de mostrar sintonia. Agora o casal aparece vestindo roupas cujas cores aproximam da cor do ambiente. É um casal enquadrado ao sistema.

Sequência de imagens em que April aparece olhando para o lado externo. Ela dentro de casa pensativa, isolada, aprisionada ao código social. O filme traduz isso em imagens colocando o rosto da personagem novamente dentro de um quadrado, símbolo daquilo que retém algo ou alguém e qe, por sua vez, é propriedade de outrem. Porém o rosto de April olha o céu, símbolo antagônico ao quadrado, por representar o ilimitado (o céu mostra-se ao olho humano com curvas, é arredondado). Na segunda imagem, as linhas horizontais cruzando o rosto da personagem mostra uma divisão, uma fragmentação do sujeito, entre o sonho de liberdade e a clausura.

O cinema e A MORAL PARA AS MASSAS

Costuma-se atribuir a D. W. Griffith a paternidade da narrativa cinematográfica, muito embora Helena Maura cineasta e crítica de cinema tenha dito em seu artigo Sexo Frágil e o Cinema - 1896 à 1954 que...


...“Uma das principais representantes desse período foi a francesa Alice Guy-Blaché (1875-1968), a primeira diretora de filmes da história, que chegou a dirigir, produzir e/ou supervisionar cerca de 300 filmes em sua vida. Ela aparece também, causando controvérsias, como a verdadeira criadora da narrativa para o cinema. Teríamos então não um "pai" da narrativa no cinema, Georges Méliès, e sim uma "mãe", Alice Guy, já que seu primeiro filme La Fee aux Choux (algo como A Fada nas Couves), de 1896, foi realizado alguns meses antes do filme de Méliès.”(grifos meus)


Se a narrativa de cinema teve seu início na França ou nos Estados Unidos, por um homem ou uma mulher, a questão é que desde a sua origem ele teve uma tendência para as massas, com histórias melodramáticas em que os gestos nobres, de valores morais intocáveis, são salientados mesmo em condições adversas. D. W. Griffith e Jean Renoir, por exemplo, levaram para as telas dramas protagonizados por jovens heroínas desventuradas. Em As Duas Tormentas, 1920, de D. W. Griffith, já discutido neste blog [colocar link], uma jovem pobre é seduzida por um homem rico e que, por razões morais puritanas, é aceita inicialmente por uma família de fazendeiros, mas que logo é expulsa ao saber da verdade sobre o passado da moça. A personagem, desamparada e desesperada, caminha com dificuldades na tempestade de neve e desfalece à beira do rio. Durante o degelo, a placa onde está deitada descola-se da margem e se dirige para a cascata, mas ela é resgatada pelo rapaz. Outro filme do mesmo diretor, Intolerância, 1916, é um dos mais expressivos vistos até agora, pela sua proposta arrojada para a época, trazendo quatro histórias paralelas em tempos e espaço diferentes. Uma de suas histórias, a contemporânea, mostra uma realidade semelhante a do filme anterior, pois a divisão de classe será o esteio das narrativas. O enriquecimento de alguns membros da sociedade acentua uma moral hipócrita e cínica, e o ciúme, a inveja e a avareza lançam ao abismo da morte simbólica ou física os menos afortunados. Se em As Duas Tormentas, Griffith traz uma protagonista pobre, órfã (a mãe morre antes de o filho nascer), seduzida por um homem rico, em Intolerância a história mostra que a diferença de classe e de status dos papéis sociais, e não apenas a diferença de sexo, será responsável pelo infortúnio das pessoas pobres, principalmente das mulheres. Há uma frase do narrador que diz: as mulheres quando perdem o encanto para os homens, se transformam em moralistas. Com ajuda do capital de um rico membro da sociedade, por intermédio de sua irmã “solteirona”, um partido político é fundado, tendo à frente as mulheres da alta sociedade. A partir do fortalecimento deste grupo, começa a perseguição às festas (a dança e a bebida alcoólica são proibidas) e às mulheres e homens desafortunados. A felicidade dos pobres é uma afronta aos ricos e aos que vivem da miséria alheia, a exemplo de um casal que tem a sua vida quase destruída por causa de uma esposa traída, igualmente pobre, e de um gangster abandonado. No final, como se trata da narrativa contemporânea, Griffith deixa uma mensagem positiva e o marido acusado injustamente de assassinato é tirado da forca diante da confissão do verdadeiro assassino. Depois disso, o casal tem o seu bebê novamente em casa, antes tirado à força pelas paladinas. Neste momento, Grifith mostra como o Estado (política) e o capital (doações de empresários) se unem contra os mais desvalidos.



O filme Intolerância merece uma postagem à parte, que farei em outro momento.

Já o cineasta francês Jean Renoir, quatro anos depois de As Duas Tormentas, lança Catherine: uma vida sem alegria. O mote é o mesmo: uma mulher pobre, filha de uma empregada doméstica, órfã, é criada pelos patrões, mas, na juventude, se vê em apuros porque a patroa começa a maltratá-la, apesar da proteção do patrão, um deputado de prestígio. Este, vendo a tirania da esposa, leva a jovem para morar com uma irmã cujo filho, um homem maduro, não consegue se casar porque tem saúde debilitada. Certo dia, no carnaval, a jovem e o homem condenado dançam na sacada em frente ao entrudo que passava na rua. O homem tem um ataque cardíaco fulminante. A sua morte faz com que as mulheres da alta sociedade se voltem contra a jovem, expulsando-a da cidade, o que a leva até Nice. A sua moral é posta em questão e vendo-se envolvida em um ambiente hostil, volta para a cidade de onde partira forçosamente, mas não é aceita por ninguém. Quando está caminhando encontra o deputado que a acolhe novamente e lhe dá o posto de secretária, situação que desagrada a esposa que deixa e segue para a casa dos pais. Diante disso, os apoiadores à candidatura do deputado começam a ser influenciados por um dos representantes de partido, cunhado do deputado. Catherine, ao ouvir uma conversa sobre o prejuízo que a sua presença poderia trazer para a candidatura do seu protetor, lança-se pela estrada e dorme em um vagão. Dois bandidos que passavam por ali o põem em movimento, lançando-o em direção ao precipício. Ao mesmo tempo, o deputado consegue localizar a jovem e parte para salvá-la. Um rapaz que está no carona do carro, pede que ela aperte o freio do vagão que, por sua vez, desacelera. No final, o deputado e a jovem aparecem dentro de um trem, para recomeçar uma nova vida juntos.

As narrativas fílmicas de Griffith (As Duas Tormentas) e Renoir (Catherine: uma vida sem alegria) trazem como protagonistas duas mulheres desafortunadas e que são maltratadas devido à questão de classe e de gênero. Pensando nisso, os dois filmes são exemplares em mostrar a vida de pessoas comuns, pobres, e o que a busca ou manutenção do poder podem fazer à vida das pessoas. Mas não é apenas a tematização da pobreza, das desigualdades sociais ou dos valores morais de um grupo social que torna os filmes “para as massas”, mas a sua estrutura folhetinesca, catártica, isto é, como é narrado, filmado em linguagem cinematográfica. Mesmo sem os sofisticados recursos que vemos nos filmes atuais, o close up se apresenta nos filmes como um recurso importante para acentuar a carga dramática, além da performance dos atores.A música ao fundo, que acompanha os estados emocionais que se quer provocar no espectador, é fundamental no cinema mudo, com destaque para o piano acelerado para as cenas de ação e o violino melódico e plangente para as cenas de amor. O cenário bucólico ou noturno forma também o arcabouço de uma cena de amor que, articulado aos componentes mencionados, ajudam a compor os folhetins fílmicos. Vale ressaltar a estrutura da narrativa, já que a heroína, que mesmo na adversidade extrema mantém uma moral inabalável, precisa passar pelas peripécias para em seguida ser resgatada apoteoticamente pela sociedade, pelas mãos de um homem de conduta igualmente intocável, neste caso com o casamento. Este filme merece também uma postagem à parte.

Para reflexão: Que efeito teria, nos anos 20, a tematização de filmes com heroínas pobres e maltratadas que suplicam consciente ou inconscientemente por um homem rico que as proteja? O que significa um “final feliz” entre um homem rico e uma jovem pobre? Considerando que o cinema cumpria uma função social e pedagógica, qual seria o seu papel neste momento de expansão ideológica?

Nos filmes, os diretores não atribuem apenas a vilania aos ricos ou aos homens, mas a um caráter, a uma falta de tolerância nas pessoas que pode materializar-se entre ricos e pobres, homens e mulheres, velhos e moços, entre outras configurações. É como se houvesse uma inclinação natural, uma índole que, independente das adversidades ou benesses, ela se manifestaria.

Às mulheres de conduta irrepreensível, os diretores premiam com um final feliz.

A ética e o mérito nas produções acadêmicas

Em meio a tantas coisas que nos deixam tristes em nosso cotidiano, eis que nos deparamos com uma postura que muito nos faz acreditar em...